Investimento em energia solar beneficia 5 mil nordestinos, reduz emissão de gás e preserva mais de 30 mil árvores.

Texto publicado pelo Jornal O Globo – 16 de setembro de 2022.

A gestora Adriana Bezerra Cavalcanti, de 27 anos, só teve acesso a energia elétrica e a um chuveiro com água quente pela primeira vez em 2005. Moradora do Vale do Catimbau, em Buíque, município pernambucano onde cerca de 56,6% da população têm renda mensal de até meio salário mínimo, de acordo com o IBGE, ela conta que esse direito básico só foi possível após a família ganhar uma residência da ONG Amigos do Bem, que usa a energia solar para levar luz a 62 famílias da região. O modelo energético, considerado sustentável para o meio ambiente e em ascensão no Brasil, foi um dos assuntos debatidos no evento Brazil Climate Summit, realizado nos dias 15 e 16, em Nova York, nos Estados Unidos.

Apenas no Vale do Catimbau, 200 placas solares geram energia para abastecer ainda toda a estrutura do Centro de Transformação de Amigos do Bem — onde mais de duas mil crianças e jovens estudam —, e 40% da fábrica de produção de castanhas, que gera emprego para centenas de pessoas da região. O aumento da energia solar é uma das apostas do mundo para conseguir realizar a transição energética, reduzindo a geração de combustíveis fósseis.

 – Meus pais acendiam fogo na lenha para tentar dormir, mas quando o fogo acabava, a gente ficava no escuro mesmo. A gente passava fome, não tinha acesso a eletrodomésticos, a gente organizava a vida para dormir o mais cedo possível para não ficar muito tempo no escuro. Não tinha sequer oportunidade de trabalho. Hoje, a gente tem uma vida não só com acesso à água e energia, mas também com sonhos e oportunidades — relata Adriana.

Este ano, a conferência Brazil Climate Summit foi realizada com o objetivo de reunir líderes empresariais, acadêmicos, especialistas, formuladores de políticas, ONGs e organizações multilaterais para discutir as oportunidades e responsabilidades do Brasil na redução do desmatamento e preservação ambiental. Para alcançar as metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, que busca elevar o desenvolvimento do mundo e melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas, a produção de energia limpa precisa ser um dos pontos de atenção.

— Em parcerias com ONGs, empresas e outras instituições, o Brazil Climate Summit propôs reposicionar o Brasil como potência da revolução verde. A partir do debate sobre preservação da Amazônia e de todo nosso ecossistema procuramos abordar formas de melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, gerar um desenvolvimento econômico, e esse é um debate que passa pela energia, um dos desafios de grandes países para o cumprimento da Agenda 2030 da ONU — afirmou Luciana Ribeiro, membro do conselho executivo do evento.

27,8 milhões de toneladas de CO2 evitadas

Segundo a Absolar, associação que representa o setor, a energia solar bateu novo recorde de potência instalada no Brasil. O país ultrapassou a marca de 19GW de usinas instaladas, incluindo os sistemas de geração própria, como os painéis instalados no telhado das residências. De janeiro a setembro, a alta foi de 46%. O levantamento mostrou ainda que foram evitadas as emissões de 27,8 milhões de toneladas de CO2, um dos principais gases causadores do aquecimento global.

Atualmente, a Amigos do Bem tem 15 usinas fotovoltaicas, no qual 13 são poços artesianos finalizados ou em fase de finalização, localizados nos municípios de Catimbau, Inajá (ambos em Pernambuco) e Mauriti (Ceará). As placas têm uma estimativa de alcance de 282 kWp chegando a uma geração de mais de 42 mil kWh/mês. Juntos, elas correspondem a uma área de 2,7 mil metros quadrados.

Além de beneficiar, ao todo, 543 casas e cerca de 5 mil pessoas em ambos os estados, a opção da ONG pela energia solar prezou a preservação ambiental: 33.068 árvores deixaram de ser desmatadas e 4.724 Ton de CO2 não foram emitidos na atmosfera. Os dados foram calculados a partir de informações divulgadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e pelo Instituto Brasileiro de Florestas.

— O benefício de ter os poços ligados à energia solar é fazer com que a água chegue às pessoas a um custo zero para elas. E para o meio ambiente o benefício é ter uma energia limpa, renovável, sem emissão de CO2 na atmosfera. Assim cuidamos de quem mais precisa e do meio ambiente, que é a casa de todos nós. Pensamos no hoje e no futuro para realmente transformar vidas no sertão nordestino — afirma Alcione Albanesi, presidente e fundadora da ONG Amigos do Bem.

Toda a energia gerada nos poços artesianos é jogada na rede de energia local, para as concessionárias que abastecem a região. De São Paulo, uma empresa faz o gerenciamento de créditos e, desta forma, se determina a quantidade de créditos que vai para cada poço e, posteriormente, para cada residência.

Reinaldo Oliveira, voluntário da Amigos do Bem responsável pela implementação e manutenção dos poços artesianos e usinas de energia solar, explica que um dos motivos que torna esse tipo de modelo energético fácil de ser implementado no nordeste é a grande incidência de radiação solar na região.

— Não há nenhuma dificuldade de implementação, só é necessário o devido investimento na área. Temos dados de que a irradiação solar na Alemanha é 3.3. E temos locais no nordeste cuja irradiação solar chega a 9.8. Ou seja, em todo o nordeste, inclusive no sertão, temos facilidade para utilizar a energia solar.

De acordo com o líder de projeto na Boston Consulting Group (BCG), Henrique Dantas, especialista em Clima e Sustentabilidade, hoje cerca de 85% da energia produzida no Brasil é renovável, enquanto a média do mundo é de apenas 25%. No entanto, apesar de estar à frente, o pesquisador aponta que o país precisa reduzir práticas de desmatamento para que o investimento verde cresça em solo nacional.

— O Brasil precisa de reduções drásticas na emissão de gás poluente, no desmatamento de floresta. As emissões tóxicas no Brasil superam as emissões da indústria global de cimento ou de aviação. Essa cortina de fumaça acaba impedindo que os investidores globais vejam o tamanho do potencial climático que o Brasil tem — pontua Henrique.